sexta-feira, 18 de maio de 2012

Conto: I'll Always Remember you..




Sábado à tarde eu entro lentamente em casa. Meus passos são pesados e lentos. Passo pela sala que meus filhos adaptaram, para que eu consiga andar livremente com meu andador. O vento entra pela janela e faz as cortinas bege balançarem. Ando em direção a lareira que faísca com o fogo alto. Pego uma fotografia nas mãos e olho meus filhos. Ainda me lembro como se fosse ontem quando descobri que estava grávida, e agora meus filhos são adultos casados com filhos e netos. Tiro os chinelos e enterro meus pés no tapete de pelúcia que fica no centro da sala, adoro a sensação que causam nos meus pés. Vou andando em direção à minha cadeira e paro em frente ao espelho. Estou ansiosa e meu coração acelera em alguns momentos. Ela está chegando. 


Eu ainda fico ansiosa a cada visita que ela me faz, ou a cada visita que faço à ela. E acredito que ela sinta o mesmo. Passo as mãos pelos meus lábios e lembro-me de quando eles eram carnudos e expressivos, encaro meu rosto enrugado e frágil, como se a qualquer momento ele fosse encolher até sumir. Meus olhos antes grandes e misteriosos, hoje só são velhos, cheios de rugas e ficam escondidos atrás de grandes óculos de grau. Ajeito alguns fios dos meus cabelos brancos que teimam em escapar da presilha e a lembrança dele ruivo e longo preenche minha cabeça. Sinto falta da minha juventude. Reclamava de alguns defeitinhos aqui e ali, mas se comparado a hoje, eu era perfeita. O vento ricocheteia mais uma vez pela janela, e sou atingida por uma rajada; esfrego as mãos para aquecê-las. Olho minhas mãos enrugadas, com dedos magrelos; lembro-me delas jovens com unhas longas. Toco levemente minha tatuagem no dedo mindinho, que eu e ela fizemos ainda muito jovens. O símbolo do infinito. A promessa da nossa amizade. A tatuagem não é mais a mesma, está um pouco deformada, fora de forma, mas continua linda e o seu significado ainda mais belo. Suspiro lentamente e sinto vontade de voltar no tempo. De quando eu a conheci, em uma rede social chamada Twitter que hoje em dia nem existe mais. E me pergunto; como eu vim parar aqui? Como eu deixei de ser aquela garota jovem e cheia de vida para ser essa velha reclamona? Eu deveria estar feliz, não é mesmo? Afinal de contas, ela estava chegando... E isso só acontece uma vez ao ano. Não nos vemos mais como antigamente, fica cada vez mais difícil fazer essa viagem de são Paulo até o Rio de Janeiro, e visse e versa. Mas toda vez que eu vou visitá-la ou ela vem me visitar, sou atormentada por essas lembranças de quando eramos jovens e nos víamos muito mais, viajávamos por muitos lugares do mundo e até casamos no mesmo dia; ela é madrinha dos meus dois filhos e eu sou madrinha dos dois filhos dela. Quando fiquei viúva, contava com 63 anos e ela me levou para viajar por vários países. 

Ela sempre cuidou de mim e eu sempre cuidei dela. Nós nos falamos todos os dias pelo telefone, mas não é a mesma coisa. Antigamente quando sentíamos falta uma da outra, pegávamos um avião e em uma hora estávamos nos abraçando. Agora não é mais assim, e isso me entristece. Ouço meus três netos e minha bisneta brincando no andar de cima. Um aroma delicioso de carne assada, batata e outros legumes preenchem meu nariz. Meus filhos preparam o jantar para nossos convidados. Ana, minha bisneta de quatro anos, passa por mim correndo e dando risada de alguma coisa. Nunca pensei que seria mãe, quem dirá avó e bisavó. Não importa minha idade, saiba que sou velha o suficiente para ser sua avó. 

Sara, minha neta mais nova, desce as escadas correndo e eu ouço o barulho do carro. Fico mais ansiosa, ela chegou. Aliso calmamente meu vestido florido e tento me apressar para vê-la. Caminho calmamente até a varanda e antes de chegar lá, Sara me surpreende parando a minha frente com seus olhos grandes, cabelos encaracolados esvoaçantes.

- Vovó... Vovó ela chegou! Ela chegou! – fala Sara agitadamente.

- Eu ouvi, querida, já estou indo. – sorri para ela e desejo ter todo aquele pique para poder correr e abraçar minha amiga.

Não pego meu andador, decido que quero andar com minhas próprias pernas, e na verdade, eu odeio arrastar aquele negocio.

 Demoro um pouco para chegar até a varanda, vejo meus afilhados tirando as malas do carro. Os dois netos mais novos dela saem correndo e juntam-se rapidamente com meus netos. Ian, o neto mais velho dela, sai de mãos dadas com sua mulher grávida do segundo filho. Ele sorri enquanto carrega o pequeno Pedro no colo. Saio totalmente de dentro de casa e recosto na varanda procurando por ela. 

Olho meu jardim de tulipas e lá esta ela sentada com o sol do fim da tarde em seu rosto. Ela respira bem fundo, absorvendo a sensação gostosa e o cheiro das flores. Minha filha mais velha, Isabella, me ajuda a chegar até ela, coloca-me sentada em uma cadeira e sai dando-nos privacidade. Ela não percebe minha presença de imediato e noto que ela está de olhos fechados, uma lágrima escorre dos seus olhos. Ela seca a lágrima e vejo a tatuagem no dedo dela. Um sorriso bobo me vem aos lábios e fico tão feliz por tê-la aqui comigo. 

Já passamos por tantas coisas juntas, que ficaria difícil de contar tudo em uma vida. Uma brisa passa por nós e o vento joga os cabelos grisalhos dela para trás. Seu perfume amadeirado preenche meu nariz. Seguro sua mão e então ela percebe que estou ali. Ela recosta na cadeira, e olha nos meus olhos, sorri bobamente com os cantos da boca enrugados.

-Claire. Senti sua falta. – diz ela apertando minha mão com mais força.

Em outra época sairíamos correndo e nos abraçaríamos feitos loucas, mas hoje um aperto de mão é o suficiente. Nós sabemos que estamos nos abraçando com apenas um olhar.

-Maya. Também senti sua falta. – sorrio e tento arrastar minha cadeira para mais perto. Mas não consigo.

O ruim de ser velha – uma das coisas ruins - é que não conseguimos fazer muitas coisas, então temos que pedir ajuda aos mais jovens, e isso me tira do sério. Faço uma cara carrancuda e ela já sabe porquê.

- Vou chamar alguém para colocar você mais perto de mim. – fala Maya inclinando a cabeça decidindo quem vai chamar.

-Não. Não chame ninguém. Estou bem aqui. – respondo ainda tentando levantar da droga da cadeira.

-Isabella? Isabella? – Grita Maya com a voz um pouco rouca.

Isabella aparece no instante seguinte. Minha filha já esta com 46 anos, mas continua linda e jovem. Ela sorri para Maya e ajeita seu casaquinho verde de lã.

-Oi, madrinha. Precisa de alguma coisa? – pergunta minha filha. Sempre prestativa.

-Eu não, mas sua mãe, sim. Coloque-a aqui mais perto de mim. – Maya aponta o lugar que quer que a cadeira fique.

-Não precisa me colocar em lugar nenhum. Vou ficar aqui mesmo. – cruzo os braços parecendo uma criança birrenta.

Isabella tira seu casaco e coloca-o em mim. Meus olhos enchem-se de lagrimas.

-Vamos, mamãe. Deixe-me te ajudar. Faz tanto tempo que a senhora não vê minha madrinha. Não que dar um abraço nela? – pergunta Isabella pacientemente.

Não respondo. O que eu mais quero é abraçar minha melhor amiga. Mas é difícil explicar que eu quero fazer isso sozinha.

-Anda, Claire, para de ser rabugenta. Deixe a menina te ajudar. – Fala Maya já irritada. Não respondo e ela continua. – Anda logo, quanto mais velha você fica, mais chata consegue ficar.

-Madrinha... Mamãe... – nos repreende Isabella.

-Tanto faz. – dou de ombros. Louca para chegar mais perto.

Minha filha aproxima-se e me ajuda a levantar da cadeira, colocando-a bem ao lado de Maya. Ela me ajuda a caminhar para mais perto, e sento-me novamente. Depois ela pergunta se precisamos de mais alguma coisa e digo que não. Isabella sai e Maya cai no riso. Encaro-a furiosa e desejei do fundo do coração ter uns 40 anos a menos só para dar uns bons socos nela.

-Como você é idiota, sua velha chata. Pare de ficar se lamentando, tivemos muita sorte de termos filhos tão maravilhosos que cuidam de nós. – fala ela ainda sorrindo.

Não respondo e ela continua.

-Sabe acho que realmente fomos muito felizes. Fizemos tantas viagens, casamos, tivemos filhos, netos, bisnetos. Uma linda família. Mesmo tendo envelhecendo, continuamos as mesmas de 60 anos atrás. Nunca pensei que seria amiga de alguém por tanto tempo, sabia? – ela me encara e minha carranca se desfaz por um momento. – Fico feliz por termos partilhado tantas coisas juntas. Tantas memórias. Passamos por tantas coisas, mas sempre estávamos juntas.

-Eu sei. Também fico feliz. – falo finalmente.

Eu realmente fico feliz. Ter minha melhor amiga ao meu lado por tanto tempo. Prometemos sempre cuidar uma da outra, mesmo quando uma de nós for morar no céu iremos nos cuidar lá de cima. Abraço ela desajeitada.

-Sabe Maya, eu queria ter meus 19 anos de novo. Lembra-se do seu aniversário de 22 anos? Isso parece que aconteceu ontem. Eu estava deitada em minha cama, escrevendo uma carta pra você às três da madrugada, enquanto chovia lá fora. Sinto falta dessa época. De quando podíamos fazer tudo que queríamos, e mesmo assim nem sempre fazíamos. – falei e uma lágrima escorreu dos meus olhos.

-Eu sei. Sinto falta dessa época também. Eramos tão novas e tínhamos tantas coisas para viver e nem sabíamos.

-Não sabíamos mesmo.

Ficamos conversando por um tempo, e admirando a paisagem.  Afundamos na cadeira e Isabella nos trouxe uma xicara de chá. Estiquei um pouco as pernas e senti uma dor latejante em meu peito. Suspirei e admirei aquele sol se pondo em frente ao meu jardim cheio de tulipas amarelas, vermelhas e azuis. O sol descia lentamente, desaparecendo atrás do imenso jardim. Meu lugar favorito na casa. A visão é de tirar o folego. 

O tempo começou a esfriar e nossos filhos nos levaram para dentro de casa para jantarmos. O riso à mesa era contagiante, as crianças mordiscavam sua comida, enquanto os adultos conversavam e davam longas garfadas na carne assada, legumes e purê de batata.
Depois de jantarmos, toda família foi para varanda com xícaras de chocolate quente. As crianças brincando e os adultos colocando a conversa em dia. Maya e eu sempre conversávamos sobre nosso passado, acho que quando ficamos velhas relembrar o passado é o que mais fazemos. Adorávamos relembrar tudo que passamos juntas, cada viagem, namorados, risadas, lágrimas. Tudo passou tão rápido. Isabella ajudou-me a colocar um cobertor nas minhas pernas enquanto eu tomava um gole de chocolate quente. Depois ela foi até Maya e fez o mesmo, esticando um cobertor de lã em suas pernas. Maya começou a tossir e a ficar sem ar. Alex, o filho caçula de Maya, levantou-se e ajudou ela a tomar um gole de água enquanto alisava seu cabelo branco. Meu coração acelerou e um frio percorreu minha espinha.

-Está tudo bem? – perguntei com a voz falhando.

-Está sim. – ela sorriu e eu pude perceber que não estava.

-Vovó, conta de novo como vocês se conheceram. – falou Sara

-Claro que sim, querida. – falei com um sorriso preocupado no rosto.

Maya ajeitou-se na cadeira e largou a xícara de chocolate quente em cima da mesinha. Percebi que ela estava desconfortável. Meu peito começou a doer novamente e reprimi um grito. Péssima hora pra você querer sentir dor coração. Suspirei algumas vezes e meus filhos perceberam que eu estava com dor.

-Mamãe, não quer entrar? – perguntou-me Daniel.

-Não querido. Está tudo bem. Vou ficar mais um pouco. – sorri enquanto a dor aumentava.

Maya, percebendo que eu não conseguiria começar a nossa história, decidiu falar. Seus olhos analisaram-me preocupados.

 -Foi em 2010 – começou ela.

-Ual. Tanto tempo assim? – perguntou Brian impressionado. Brian é o neto mais novo da Bells, e o mais sapeca também. O sorriso dele sempre preenche seu rosto. É como se o sorriso não saísse dali nunca.

Todos deram risada.

-Sim, querido, há tanto tempo assim. – respondeu Maya sorrindo, e me analisou mais uma vez.
A dor estava cedendo, mas ainda estava intenso, o suficiente para um grito. Mas eu não podia estragar esse momento.

-Tinha uma rede social chamada Twitter. Que hoje em dia não sei mais como se chama, ou se ainda existe. E eles inventaram uma nova versão para essa rede social. Então a avó de vocês perguntou quem tinha essa nova atualização. Eu respondi que tinha e passei minha senha para ela, sem ao menos, conhecê-la. – ela sorriu relembrando de como ficou tensa com medo que eu pudesse hackear seu Twitter.

Sorri de volta enquanto a dor ia cedendo cada vez mais.

-E eu prometi que não faria isso. Então entrei no Twitter dela e vi a nova versão, que era horrível. – falei com a voz rouca.

-Depois começamos a conversar por outra rede social chamada “MSN”. E passamos a nos falar todos os dias.

- Em pouco tempo estávamos trocando confidencias, e ficamos muito, muito amigas. Então fui até o Rio de Janeiro e nos vimos pela primeira vez. – falei sorrindo.

-Fizemos uma tatuagem naquela época. – ela falou e nós duas mostramos a tatuagem no dedo mindinho.

-Depois ela veio me visitar aqui em São Paulo. E com o tempo íamos uma visitar a outra frequentemente. Casamos no mesmo dia. Somos comadres. Viajamos o mundo juntas. – falei sorrindo.

- E prometemos que nossa amizade seria eterna. – falamos em uníssono.

Nossos netos e nossos filhos ouviram essa história tantas vezes, mas pareciam não se cansarem dela. Ou então fingiam gostar só para nos agradar. Maya tossiu novamente e Alex levantou ajudando-a a tomar mais um gole de água. A dor no meu peito voltou desta vez mais intensa.

-Querido, acho que agora quero me deitar. – falei para Daniel.

-Claro que sim, mãe. A senhora vai deitar agora também, madrinha? – perguntou Daniel para Maya.

-Vou sim, Dani. Estou cansada. Vou dormir no quarto da sua mãe hoje. – respondeu Maya, dando uma piscadela. –Vamos relembrar nossas antigas “festas do pijama”.

Dei risada lembrando quantas vezes dormimos uma na casa da outra.

-Mas lá só tem uma cama de casal, madrinha. O quarto de hospedes é mais confortável. – falou Isabella.

-Hum... Deixe-a dormir comigo. Como nos velhos tempos. – falei e sorrimos juntas.

-Tudo bem. Se vocês preferem assim. – Daniel deu de ombros

Daniel e Alex nos ajudaram a levantar da cadeira e nos levaram até o quarto. Minha cama de casal era maior que as convencionais, eu sempre gostei de dormir esparramada. Isabella entrou no quarto e ajudou-me a vestir o pijama. Uma camisola de seda azul. Não poder me vestir sozinha também me deixava irritada. Isabella me deu um beijo na testa e depois outro em sua madrinha. Maya e eu ficamos deitadas na cama encarando o teto. 

O abajur estava aceso e deixava o quarto um pouco mais claro. As paredes brancas estavam um pouco desfocadas, ou era devido a eu estar sem óculos. Fechei os olhos. A dor no meu peito era forte; suspirei algumas vezes e ela começou a ceder. Bells virou-se com dificuldade, ficando de frente pra mim.

-Claire? – sussurrou ela. – Claire, está acordada?

-Sim, estou.

-Quanto tempo dura o infinito? O para sempre? – perguntou ela com um fio de voz.

-Bom, dura para sempre. – respondi entendendo o que ela quis dizer.

-Eu estou com medo. – respondeu ela.

-Não precisa ter medo. Vai acontecer quando tiver que acontecer. E mesmo estando longe, você vai olhar a estrela mais brilhante do céu e vai lembrar-se de mim. Sempre vou cuidar de você. – sorri com a dor consumindo meu peito.

-Não estou preparada. – respondeu ela.

-Eu não sei se eu estou preparada também. Mas se acontecer, vamos pedir para ser tranquila.


-Não sei. Não quero te ver partir. E também não sei se quero partir. – sussurrou tão baixo que quase não entendi.

-Vamos combinar assim. Nós nos vemos lá em cima. Vou estar te esperando quando você chegar. Mas só vai quando estiveres pronta. – falei sorrindo.

Maya apertou minha mão e senti que ela estava chorando. Eu também estava. Suspirei com mais força, a dor apertou meu peito me deixando sem ar. Às vezes a vida não nos dá muito tempo para vive-la. Mas muitas vezes temos a sorte de encontrar pessoas que nos fazem perceber que por mais dura que a vida seja, ela valeu a pena.  Por um momento você imagina que tudo está perdido, mas então você lembra que tem um amigo e geralmente um amigo muda tudo. Nem todos têm a sorte de ter um amigo. Mas se você tem essa sorte, preserve esta amizade. Lembre-se de todos os momentos difíceis que passaram juntas, mas principalmente mantenha os alegres em sua mente, porque são esses que nos fazem felizes.

-Maya? – suspirei falando com a voz embargada – Acho que já estou pronta.

Segurei sua mão com firmeza e demorou um segundo até que ela entendesse.

-Não. Não. – respondeu ela.

Uma dor forte perfurou meu peito. No começo foi intensa e me fez perder o fôlego. Respirei fundo e uma lágrima escorreu dos meus olhos. Senti Maya sussurrando meu nome em um tom desesperado. Ou talvez ela estivesse gritando, mas a essa altura eu só conseguia me concentrar na dor e em como aos poucos eu deixava de sentir meu corpo. Eu já não conseguia sentir minhas mãos e meus pés, a única coisa que funcionava levemente era minha consciência. Eu comecei a ouvir uma pequena agitação no quarto, algumas vozes murmuravam “Claire...Claire” e outras era “Mamãe...Mãe”. 

Depois de um tempo eu já não sentia mais a dor e perdi completamente a consciência. Com um longo suspiro eu perdi totalmente o controle do meu corpo.
Uma luz ofuscante me trouxe de volta à consciência, mas eu estava em um lugar com uma densa neblina e não conseguia enxergar nada que estava além dessa neblina. A única coisa visível era uma luz que me atraía. Comecei a caminhar e percebi que não sentia dor nas pernas; conseguia caminhar sem dificuldade. Uma necessidade de correr percorreu meu corpo, aquela luz me atraia e gritava por mim. Corri, corri com toda força, jogando meu cabelo para trás e sentindo o vento no meu rosto. Quando finalmente alcancei a luz, me lancei para dentro dela sem ter certeza de onde eu entraria. 

Um campo verde e florido surgiu a minha frente. Animais corriam livremente, pessoas riam e comiam frutos frescos das árvores que cobriam todo o local. O céu parecia estar ao alcance das mãos. De um azul claro e profundo. Caminhei pisando na grama, afundando meus pés na sensação calorosa que ela causava. Explorei o lugar, caminhando e admirando tudo. Encontrei um pequeno lago e senti vontade de tocá-lo. Quando vi meu reflexo, foi um completo choque. Eu estava jovem novamente, meus cabelos vermelhos caiam sobre meus ombros lisos e longos. Os olhos voltaram a serem expressivos e grandes, não existiam mais rugas, e tudo estava em seu lugar. Toquei meus lábios e sorri.

Caminhei ate uma parte mais afastada do campo. Algumas pessoas se aventuravam entrando na neblina novamente. Por impulso entrei também e me surpreendi com o que eu vi. Corri tentando alcançá-los, lágrimas escorriam do meu rosto enquanto eu chegava mais perto... ao mesmo tempo eu estava longe. Uma voz suave soou atrás de mim.

-Esse é o limite. É só até onde você pode ir.

Virei-me enxergando um homem alto, com um rosto incrivelmente belo, vestindo uma túnica branca.

-Mas eu preciso chegar mais perto. Eu tenho que voltar para casa. – murmurei ainda chorando.

-Não é possível, Claire. Aqui é seu lar agora. Você poderá vir aqui para ver sua família, mas não poderá mais voltar. – ele falou suavemente.

-Eu...- não consegui terminar a frase. Eu sabia exatamente o que tinha acontecido. Eu estava morta. E o máximo que teria da minha vida era observar todos crescendo e vivendo sem mim.

-Posso ficar sozinha? – perguntei desviando o olhar.

-Claro. – falou o homem e no minuto seguinte desapareceu.

Sentei-me no chão. Uma espécie de neblina densa. Eu encarava os rostos de toda minha família, meus filhos, netos, afilhados... Eles conversavam com um olhar triste. Pareciam cansados. Desejei explicar que estava tudo bem, mas me contentei em observar a vida deles que agora seguia sem mim. Não sei ao certo por quanto tempo eu fiquei ali, observando a vida dos meus filhos seguindo, meus netos crescendo. Lembro-me somente de sair da neblina por pouco tempo. E logo em seguida eu retornava para observar o dia a dia da minha família. Eu me sentia sozinha. Como se parte de mim estivesse ali, mesmo tendo tudo para seguir em frente, meu coração continuava ali.

Depois de alguns dias, meses, anos... Eu já havia me acostumado com a vida de observar. Então em uma dessas tardes fui dar uma volta pelo campo antes de voltar para a neblina. Sempre tinha pessoas novas, sempre pessoas com olhares perdidos e maravilhados. Andei por mais um momento voltando ao lago onde eu tinha visto meu reflexo pela primeira vez, eu gostava de mergulhar meus pés na água enquanto observava a imensidão a minha frente. Uma moça com um vestido florido e cabelos negros e longos parecia olhar seu reflexo no lago. Andei em sua direção, pois ela parecia tão confusa quanto eu fiquei. Parei atrás dela e um perfume amadeirado preencheu meu nariz.

-Oi. – sussurrei.

A moça levantou-se com um impulso que quase a fez cair no lago. Quando nossos olhos se encontraram não pudemos evitar de sorrir, e no minuto seguinte chorar enquanto nos abraçávamos fortemente.

-Claire. Eu não consigo acreditar, você esta tão jovem e linda. Nós estamos tão jovens.... E isso aqui é tão maravilhoso....

-Maya, você chegou. Você ficou pronta e chegou.... –foi só o que consegui falar com a voz carregada de emoção.

-Oh. Você ainda se lembra de mim? Mesmo com toda essa imensidão e tudo que você poderia estar fazendo... Você ainda se lembra de mim? – perguntou ela me encarando.

-Eu sempre vou me lembrar de você.

Ela me abraçou novamente. Percebi que metade do meu coração agora estava aqui. Talvez eu agora tivesse coragem de entrar em uma jornada de explorar o lugar. Dessa vez eu não estava sozinha. Minha melhor amiga estava comigo. O que me fez pensar em como uma amizade verdadeira surge. Muitas vezes conhecemos as pessoas sem ao menos imaginar a importância dela em nossas vidas. Muitas vezes deixamos pessoas boas saírem de nossas vidas por um simples fato de orgulho, quando deveríamos manter essa pessoa ao nosso lado. Porque ninguém entra na nossa vida por um acaso, todos estão lá por uma razão...






Conto escrito por: Meel Ribeiro.

 (PS: Esse conto eu escrevi há algum tempo. Dediquei a uma amiga, e estava às moscas em um arquivo. Por algum motivo tenho um carinho especial por ele e decidi compartilhar com vcs. Espero que tenham gostado. E até a próxima)





Um comentário:

  1. Que conto lindo. Lembrei de uma amiga minha que prometemos ficar juntas para sempre e hoje em dia nem nos falamos mais. Isso é triste. Adorei o conto parabéns flor. *-*

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